Existem, paralelamente, duas síndromes muito difundidas entre nós, as pessoas que escrevem códigos em linguagens estranhas. Ao mesmo tempo que convivemos com a quase sempre presente síndrome de impostor, que impede que vejamos toda nossa capacidade, também temos espaço para viver a síndrome do brilhantismo individual, que me parece um pouco do contrário da nossa descrença cotidiana que temos em nós mesmos.

Creio que a antiga ideia de programadores que trabalham de cueca em um quarto escuro acabou morrendo no século passado, pois me enxergo numa realidade onde a comunicação é um fator essencial para o sucesso em todas as esferas do meu trabalho, especialmente a esfera técnica da coisa (apesar dessa socialização, ainda enxergo muitos homens, o quarto escuro cai por terra, mas a cueca ainda é bem viva).

A ideia até é obsoleta, mas ainda me parece existir um fantasma desta primordial caricatura de profissional, ainda sinto no ar que todas nós, pessoas que escrevem código, estamos suscetíveis à uma síndrome entranhada em nossa área profissional: a síndrome de querermos ser as estrelas do espetáculo.

Algumas coisas são indispensáveis no nosso cotidiano, como o café que nos mantém, as arquiteturas complexas, os problemas a serem resolvidos com códigos mirabolantes, a ginga de Dev, que compreende coisas como o terminal colorido e os editores impossíveis de usar e, elas, as gambiarras. Tente pensar nas gambiarras que estão entre você, o Medium e este texto, elas são omnipresentes, são os átomos que constituem a internet. Nossa profissão é legal, é lúdica, chega a ser mística, com todos aqueles terminais misteriosos piscando na tela, servindo como um portal para a construção de algo tão poderoso e complexo que é o software nosso de cada dia.

A tecnologia da informação mudou em muito a maneira de como o mundo funciona, isto talvez afete nosso controlador interno de ego, o que nos faz pensar às vezes que temos a profissão mais importante de todas, pois hoje quase tudo envolve software e alguém (nós) precisa estar lá pra fazer isto acontecer. Eu penso nisso pois lembro que desde a faculdade até pouco tempo atrás eu queria ser um rockstar developer.

Queria ser aquela personalidade que cria algo revolucionário sozinho, o fundador de uma startup genial de tecnologia, o autor de um framework open source mega popular que está cheio de contribuições no GitHub, ou o melhor programador da faculdade. As ambições podem variar em escala, mas elas sempre apontam para o mesmo norte: A individualidade, a exibição de que eu sou a personalidade por trás de uma invenção majestosa que o mundo usa apaixonadamente. Eu quebrei paradigmas (menos o funcional, porque ele é legal), eu mudei o jogo. Talvez não haja nada de arrogância nesse desejo de ser protagonista, talvez seja somente uma forma de esperar reconhecimento de uma forma um pouco mais excêntrica, exagerada, dramática.

Onde as síndromes se encontram

Lembrando da época da faculdade, onde eu estava inserido em um cenário atípico. Era um curso tecnólogo, pensado pra ser rápido, onde os alunos caem de cabeça no mercado, mas muita gente lá só fazia pelo canudo, pois já tinham emprego garantido e tinham aprendido tudo sozinhos. O sozinho era agora o conflito em mim, pois se essa galera aprendeu tudo sozinho, porque eu não consigo? Daí começa o medo, aqui entra intersecção dos sentimentos de superpotência e impotência. Ao mesmo tempo que eu corria para tentar ser o melhor aluno, o programador excepcional entre meus colegas de faculdade, corria atrás de mim o sentimento devorador de incapacidade, de que eu não seria capaz nem de aprender o mínimo para começar uma carreira, quem dirá ser um programador renomado algum dia.

Estas duas síndromes sempre estiveram em conflito (como um eterno git merge dentro de mim), e eu nunca vou saber ao certo quais são os efeitos isolados de cada uma. Eu comecei a me dar conta de que era hora de fazer algo à respeito quando surgiram resquícios de arrogância e pré-potência na minha personalidade e eu não queria isso. A síndrome do brilhantismo enfraqueceu, e quando entrei no primeiro emprego como não estagiário, a síndrome do impostor tomou conta de mim, quando me vi cercado de pessoas muito boas e apaixonadas pelo que faziam.

Alcançando a plenitude

Tudo se acalmou numa mudança de pensamento. Eu passei a fazer parte de um time. Eu passei a ver que estava trabalhando com pessoas que se ajudavam e davam o melhor de si. Desde então eu me dei conta de que não preciso ser o melhor de todos, preciso ser o melhor de mim. Eu ajudo meu time a progredir e meu time me ajuda a crescer, num mesmo ritmo.